Passamos grande parte do nosso tempo a evitar-nos, a evitar olhar para dentro, a distraírmo-nos, a desviar a atenção dos temores que temos dentro, dos fantasmas que nos perseguem e que não queremos ver, não queremos sentir.
Queremos ser outra coisa, ter feito outra coisa e vamos esperando, distraindo para fora de nós, anestesiando a dor com televisões e facebooks. Espera-se que o tempo faça esquecer, que seja como o refresh dos ecrãs, e como por artes mágicas tudo se dispersa e com prilipimpins desaparece.
Só que o tempo não faz esquecer, o tempo, quando menos esperamos, chama-nos para olharmos para as feridas. E muitas vezes quando ganhamos coragem para olhar para dentro, à porta logo encontramos o que não devia ter sido; logo encontramos o que não devíamos ou devíamos ter feito.
Parece logo que vamos encarar o nosso maior inimigo, do qual fugimos a vida toda. E como um penso rápido, a mente quer pôr tudo no lugar, não ficar, guerrear, despachar, inventar resoluções, chapar soluções; doí muito.
A boa notícia é que, só dói porque não queremos olhar, só dói porque resistimos. O que dói é a resistência ao que vamos encontrar.
E é incrível o que encontramos quando olhamos de verdade, tantas são as ilusões que se desfazem. Porque aceitar o que fizemos, ou aceitar o que não fizemos, tem uma força gigante que logo alivia, como uma ferida que foi desinfectada.
Quando nos entregamos à dor que alojamos dentro de nós, ela traz consigo as maiores bênçãos. Porque afinal é só dor, estamos magoados… magoados com o mundo, magoados com o nosso próprio mundo, com o que quisemos e não tivemos, com o tivemos e não quisemos.
Aceitar é acolher essa mágoa, olhar para ela com compaixão. É encarar a verdade com amor: dói, doeu, custa!
Mas rápido, rapidinho, mesmo que a mágoa não vá embora, fica a paz do guerreiro que deixou de lutar consigo mesmo, fica a paz do guerreiro que deixou de fugir de si próprio, deixa de haver medo e deixa de haver medo do medo.
És tu contigo mesmo, a dar o colo que não tiveste, a nutrires onde te faltou, a acalmares a inquietação, a amares.
Fugiste tanto tempo, por falta de aceitação, outras vezes lutaste tanto para ser aceite. Mas a verdade é que quando te acolhes e aceitas, tudo se torna mais fácil.
A verdade é que só TU te podes aceitar, o mundo és tu!
Mesmo que aches que vais encontrar um monstro, a verdade é que não és um monstro, estás apenas magoado, um guerreiro ferido na batalha. A verdade é a cura para a dor. Aceita a ferida, ela só se quer regenerar, a ferida só existe porque se precisa curar. Há um mundo novo por trás dessa aceitação, uma panóplia de opções, ações e dons que não sabias que tinhas. Isso é renascimento, é libertação, isso é a vida a acontecer.
De facto, parece um contrassenso, mas só consegues mudar aquilo que aceitas, abraças, acolhes no fundo e do fundo de ti.