Antes de mais nada devo dizer que Xamanismo é uma prática espiritual que tem muitas vertentes e existem muitas coisas que apelidamos de Xamanismo. Por isso sinto que existe uma confusão e uma dificuldade geral em compreender o que é.
Há muitas visões e muitas abordagens diferentes. Vamos tentar trazer luz a este tema?
O que vou falar aqui é uma visão de recriação do Xamamismo por parte de um conjunto de antropólogos, entre eles Michael Harner e a sua esola mas que foi desenvolvido ao longo das últimas 4/5 décadas por incontáveis outros praticantes, entre eles Sandra Ingerman. Por isso aqui os honro, sem eles não estaria aqui a falar do que mais amo fazer na minha vida. E como aplico uma visão sistémica na minha prática, no meu trabalho e na vida, agradeço a todos os que vieram antes e levo-os comigo no coração, sem eles não estaria aqui!
Estes professores desenvolveram e resgataram conhecimento antigo, tornando-o acessível a qualquer ocidental. E com base na sua aplicação em milhares de pessoas, desenvolveram, em conjunto com a ligação espiritual aos seus aliados espirituais e às forças da natureza, uma prática que está acessível a quem sentir o seu chamado.
Não é uma religião, é uma prática espiritual, mas também é uma filosofia de vida, que vive do respeito pela natureza e pela grandeza e sacralidade da vida a acontecer.
Aqui encontras a minha visão, que bebe dos que vieram antes, bebe da história da humanidade (sou arqueóloga de formação e de alma), mas que é também fruto da minha prática ao longo dos últimos 13 anos, onde incontáveis vezes fui com os meus aliados animais e professores da humanidade, aprender a desenvolver uma conexão mais profunda comigo e com a vida. Sem os professores e aliados animais, essas forças espirituais da natureza, também nada disto seria possível. Vivem todos no meu coração!
Xamanismo é prática, não é de todo uma teoria, embora se baseie em estudos contemporâneos e visa, acima de tudo, resgatar práticas antigas de conexão profunda com a natureza. Aplico-o como forma de desenvolvimento pessoal para nos conhecermos profundamente e resgatarmos a nossa própria cura.
Da minha própria experiência, comigo e com quem veio comigo praticar, a prática promove a homeostase natural de todo o nosso ser (um estado de equilíbrio) alinhado com a natureza, da qual nos afastamos – é premente voltar!!
Somos natureza, vivendo de forma espiritual a manifestação da criação, que é muito maior que nós: O Xamanismo mostra-nos o caminho!
O Xamanismo é a prática espiritual mais antiga do mundo. Vem desde tempos remotos, na altura em que os seres humanos ainda eram nómadas e viviam em profunda ligação com os ritmos e ciclos da natureza.
As primeiras manifestações de arte vêm no âmbito das práticas xamânicas, representando a relação profunda com os animais e as suas migrações, assim como os mistérios da vida e da morte. Por isso a prática xamânica fala ao belo, ao espírito criativo que existe dentro de cada um de nós e que nos torna humanos.
A arte pré-histórica representa vivamente os primórdios da espécie humana e a sua conexão ao divino, através da entrada em estados alterados de consciência, através da dança e transfiguração em elementos animistas.
Essa é a sua origem remota, que se espalhou pelo mundo inteiro, numa lógica aparentada, que vai para além da cultura de um determinado povo. Separados por oceanos, povos diferentes, em épocas diferentes da história, sem qualquer contacto direto, sentiram as mesmas coisas, chegaram às mesmas conclusões. E embora lhe dessem nomes diferentes, com diferenças próprias do meio ambiente, eram, em essência, em lógica, em mecânica, as mesmas.
Sim, Xamanismo é o nome dado à compilação de técnicas transversais a todos os continentes, que repetiram gestos cuja lógica era igual. O nome Xamanismo foi inventado pelo antropólogo Mircea Eliade, que num estudo que comparava as práticas xamânicas, percebeu o quanto tinham uma lógica semelhante.
Embora não houvesse comunicação entre si, povos de continentes diferentes, separados por oceanos gigantes, chegaram em épocas muito remotas, às mesmas conclusões. Por isso o Xamanismo é património da humanidade, faz parte da psique humana e da sua evolução ao longo dos milénios.
Eu trabalho xamanicamente a partir daqui, naquilo que existe de comum entre a maioria das práticas milenares.
Então, partindo do pressuposto que chegamos todos às mesmas conclusões, fosse aqui, fosse na Sibéria, na América do norte ou na Oceania, assim nasce a prática xamânica contemporânea.
O Xamanismo não se prende com nenhuma cultura em particular, mas como o termo se popularizou imenso nas últimas décadas é usado transversalmente, mesmo que se trate de culturas específicas, como a peruana, a maia, ou a inuit, dando 3 exemplos. Mas em boa verdade estas são apenas práticas, também elas de origem ancestral, que são específicas a um determinado povo, cultura ou meio ambiente.
Embora goste de as estudar, e em alguns casos até as tenha em consideração, para a minha prática e abordagem não faz sentido, fazer aculturação ou cópia de tradições específicas, é desrespeitoso. Deixo como exemplo o uso de plantas alucinógenas, que não existem no meu meio ambiente e que em nada tem a ver com o legado do lugar onde vivo, nem de quem veio antes de mim. Na minha opinião, não faz sentido!
Por isso Xamanismo sim! É um património mundial da humanidade, a nossa psique desenvolveu-se ao som do tambor, em círculo, como comunidade, como tribo, em comunhão com os elementos e faz parte da natureza humana buscar um sentido maior e sagrado para a vida, através da natureza que nos povoa.
E é essa transversalidade e diversidade humana que encontras na minha abordagem.
E em que aspectos o Xamanismo é transversal aos 5 continentes?
Pelo mundo fora, esse património humano inclui a lógica da divisão entre mundos visíveis e invisíveis. Os mundos invisíveis são mundos de luz, acedidos através da entrada em estado alterado de consciência, por meio do uso do tambor com batida monótona (imitando o coração da Mãe-terra).
O tambor é o veículo que nos permite fazer uma viagem xamânica (base da prática) que é como um sonho acordado, um ver de olhos fechados em que apesar de estarmos em estado alterado de consciência, nunca perdemos a noção de quem somos, onde estamos ou que dia da semana é.
A viagem Xamânica serve para ir em busca de informação, cura e equilíbrio para a vida mundana, ou seja, na comunhão com o mundo espiritual trazemos orientação e sabedoria para as nossas vidas.
Em todos os continentes encontramos práticas que incluem animais de poder, locais de poder, comungando com o sagrado em cada pedaço de natureza e vemos ainda que o homem se colocava como parte e não acima, ou dono da natureza.
Em todas as tradições o xamã parte em busca de pedaços de alma que se perderam por situações de choque e dificuldade em lidar com o sofrimento da dualidade. Na prática xamânica fazemos resgates de pedaços de alma, que perdemos por nos afastarmos de quem somos, em virtude de situações mal resolvidas da nossa infância, mas também conflitos transgeracionais.
No Xamanismo fazemos práticas de colocar ordem onde existe desordem, sanar o sofrimento entrando em contacto com a dor, o luto, a perda; todos eles têm lugar e fazem parte da vida e dos ciclos e ritos de passagem.
Nas práticas xamânicas sempre se tratou de quem está de luto e garantiu-se que os que morreram, encontravam o caminho para a luz, em paz, não deixando conflitos internos para quem cá fica. Incluindo-os encontramos um significado maior para a vida, para além da mera dor pela dor.
Em todas as práticas xamânicas olha-se com respeito para quem veio antes, honrando os antepassados, humanos, mas também tudo o que veio antes de nós: os elementos, os lugares, as montanhas, o rio, o mar… todos são antepassados.
A ordem é sistémica no Xamanismo, por isso incluo nas minhas práticas o olhar para a árvore genealógica, para as histórias e as sabedorias do clã familiar, olhando intimamente para o seu património emocional e espiritual. Incluindo como parte intrínseca a cultura portuguesa, ibérica, de tradições ancestrais pagãs, muitas delas sobreviventes até hoje pela boca das avós.
O Xamanismo é património mundial da memória e psique humana e tem uma visão do humano como animal humano, humilde, filho do húmus, da terra, da Mãe-terra que nos nutre, e filhos do Pai-céu, que nos dá o sol, força que impulsiona a semente que somos, ligando o céu à terra. Tudo é sagrado, tudo faz parte de nós, porque somos vida a acontecer.
E isto é a essência que alimenta este resgate de práticas ancestrais, tão necessárias quando andamos tão perdidos, longe do equilíbrio natural de quem é filho e não dono.
Isto e muito mais…